Sete anos depois, ele voltou. O malandro esteve na praça outra vez. Sem “Construção”, “Cotidiano”, “Cálice”, “Geni e o zepelin”, “Olhos nos olhos”, “A banda”, “O meu guri”, “A Rita”, “Meu caro amigo”, “Apesar de você”, mas voltou.
Sucessos? Claro, teve “João e Maria”, “Quem te viu, Quem te vê”, “Eu te amo”, e uma série de outros sucessos classificados erroneamente como “Lado B”- sucessos não tão clássicos.
A turnê “Carioca” foi assim. Filas de até 12 horas para comprar ingressos, muita gente aos prantos por não conseguir adquiri-los, tumultos, reclamações sobre a organização, shows sempre lotados, público satisfeito, diversas invasões de palco, e em Brasília, contou até com o presidente Lula confortavelmente sentado na terceira fileira do teatro.
O show em Goiânia no dia 18 de maio marcou o encerramento da turnê. Um momento histórico, já que Chico fez apenas 4 turnês nos últimos 30 anos.
Em Goiânia, Chico Buarque permaneceu em seu quarto de hotel durante todo o dia 17. Só saiu às 19:00 horas para ensaiar no Teatro Vermelho. Eu estava entre os seis fãs que passaram a tarde inteira para ter o encontro com o mestre. Quando ele apareceu no hall do hotel 5 estrelas, fui ao seu encontro. “Chico, viajei 16 horas só pra te ver”. Após um segundo em silêncio – o mesmo “silêncio que a só um poeta se permite”, como ele mesmo escreveu em “Budapeste”- respondeu timidamente, com um humor fino e inteligente enquanto assinava meus dois livros: “Eu viajei só três.”
Após os autógrafos, foi cercado pelos outros fãs e não perdeu o bom humor. “Virei show da Xuxa”, respondeu ao jornal local.
Durante a derradeira apresentação, Chico estava completamente à vontade. Quem esperava um show frio, se surpreendeu com uma intervenção longa. Chico explicou que aquele era o último show do “Carioca”, que iria descansar um pouco, uma conversa que pegou todos nós desprevenidos. Lá estava o mito, a lenda, a figura mais importante da música popular brasileira anunciando suas merecidas férias. Sorrindo à todo momento, respondia aos gritos de “lindo” com acenos tímidos, ligeiros.
A timidez que lhe é famosa fica evidente a apresentação inteira. Chico permaneceu completamente paralisado enquanto esteve em pé, cantando com seu violão. O único movimento que fez no palco foi sentar em um banquinho. Só. Até quando tocou kalimba, um instrumento africano, em “Morena de Angola”, permaneceu imóvel. Quando não está tocando violão, parece não saber o que fazer com as mãos e fica com elas assim, abertas uma de frente para a outra.
As primeiras três músicas, um pout-purri de “Voltei a cantar” (1939), de Lamartine Babo, seguida por “Mambembe” (1967), e “Dura na queda” (2006), marcam o início das metralhadoras de flashes disparadas pela platéia, e definem o show.
“Dura na queda” logo no início é a prova cabal de que as canções de “Carioca”, ao contrário do que dizem alguns críticos musicais e fãs, não perderam a qualidade, como é de se acontecer com alguns músicos sessentões e ainda mantém a mesma poesia e musicalidade da conturbada década de 70.
Os problemas sociais e o romantismo não foram excluídos das temáticas, como é o caso de “Ode aos ratos” e “Bolero Blues”. Na primeira, Chico usa os roedores para metaforizar os garotos de rua: “Rato de rua, irrequieta criatura. Tribo em frenética proliferação (...) Ó meu semelhante, filho de Deus, meu irmão”. Ao vivo, a canção ganhou um peso incrível, com bateria, percussão e violões mais altos do que o restante da apresentação. Já a melancólica “Bolero Blues”, de melodia elaborada, composta pelo baixista Jorge Helder, ao vivo surpreendeu por apresentar um resultado tão bom quanto ao da gravação. A letra romântica em clima saudosista foi difícil de ter sido composta. É visível o amadurecimento de Chico como compositor nessa canção, em que apresenta uma poesia mais literária.
O momento de maior interação com o público não foi do futebol invisível jogado por Chico e o baterista Wilson das Neves. Mas sim, um erro de Chico.
Durante a turnê inteira, confessou no meio dos shows não saber muito bem a letra de “As atrizes”. No último show de “Carioca”, ele se confundiu. Trocou uma estrofe pela última da canção. O que era para ser “Represente, presentemente muito pra mim”, ficou “Presentemente, represente muito pra mim”. O público, percebendo a confusão, aplaudiu incansavelmente. Ao término da canção, Chico fez uma longa intervenção e pediu desculpas por ter errado a letra. Alguém gritou “Você pode errar, Chico”. A resposta surgiu com mais sorrisos, aplausos e risadas “Posso, né? A música é minha”.
Encantou com “Bye, Bye, Brasil”, música composta para trilha sonora e que nunca foi executada ao vivo. Emocionou com a clássica “Eu te amo”, responsável por arrancar lágrimas do teatro inteiro e de fazer uma senhora ao meu lado tremer como se estivesse sofrendo um ataque epilético. “Imagina”, composta em parceria com Tom Jobim, e gravada apenas em 2006, proporcionou um dueto delicioso entre Chico e a tecladista Bia Paes Leme. Para castigar todos os presentes, a canção ganhou compassos mais lentos, realçando ainda mais a intensa melodia jobimniana.
E assim desfilaram entre aplausos “Mil perdões”, “Futuros Amantes”, “As vitrines”, “Ela é dançarina”, “Na carreira”, “A história de Lily Braun”, tudo simplesmente indescritível. Um show perfeito, uma banda perfeita. Após “Porque era ela, Porque era eu”, não resisti. Completamente emocionado, gritei “Bravo!”. Só percebi que tinha gritado alguns minutos depois.
E teve samba também. “Cantando no toró”, “Deixa a menina sambar”, “Sem compromisso”. Essas duas últimas canções marcaram o primeiro bis, em que a platéia aproveitou para sambar e os mais próximos alcançaram a frente do palco. Fiquei encostado no palco. Foi assustador. Os seguranças, desconfortáveis temendo uma invasão da multidão em frenesi, não sabiam o que fazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário